O direito à auto-organização para menor carga tributária
Em coluna publicada no início do ano1, tratamos de acórdão proferido por turma da Primeira Seção de Julgamento que afirmou a legalidade de operação de reorganização societária que, ao final, implicou em redução da carga tributária sobre o ganho de capital em operação de alienação de ativo que havia sido transferido de acionista pessoa jurídica para pessoa física. Naquela ocasião, destacamos o acerto da decisão ao afirmar que “para desconsiderar um ato jurídico sob o fundamento de simulação, o Fisco deve trazer provas ou evidências robustas neste sentido”.
Hoje retornamos ao tema relativo à linha que separa o planejamento tributário legítimo daquele alegadamente abusivo, tema este sempre em voga no Direito Tributário Brasileiro ante a ausência de regulamentação do parágrafo único do art. 116 do CTN, assim como a ausência de uniformidade das cortes, tanto judiciais, quanto administrativa, na aplicação de conceitos como “substância sobre a forma”, “abuso de direito”, “falta de propósito negocial”, “fraude”, etc, no âmbito do direito tributário.
O acórdão ora em destaque decorreu da lavratura de auto de infração de vultoso valor para cobrança de IRPJ sobre suposto ganho de capital devido por empresas holdings brasileiras. Entretanto, por conta de uma série de operações societárias prévias à efetiva alienação, na forma estabelecida pelo art. 26 da Lei nº 10.833/032, o ganho de capital devido na operação restou atribuído à pessoa jurídica estrangeira, de forma que a tributação na operação se deu sob a forma de IRRF, retido e recolhido pelo procurador no Brasil da empresa estrangeira adquirente do ativo localizado no Brasil.
Conforme esclarecido no relatório anexado ao acórdão, a operação envolveu decisão da antiga proprietária norte-americana do ativo de se desfazer de suas posições no exterior, entre elas a participação societária em empresa brasileira controlada de forma indireta, isto é, por intermédio de holdings brasileiras. No entanto, em face de miríade de ativos no exterior que seriam vendidos (localizados no Brasil, Chile, Panamá, Peru, etc.), foi decidido que o preço único por tais ativos deveria ser pago a pessoa jurídica no exterior.
Por tal razão comercial, foram empreendidas uma série de operações societárias de modo a restar configurada situação em que a empresa brasileira objeto de alienação fosse detida diretamente por uma controladora no exterior e, a partir daí, a alienação ocorresse com o pagamento do preço acordo e, por óbvio, apuração do ganho de capital e recolhimento do IRRF na forma prevista pelo art. 26 da Lei nº 10.833/03, o que de fato ocorreu.
Pois bem, embora tenha havido a devida retenção e recolhimento do IRRF, o Fisco não se conformou com a operação por entender que, de fato, quem deveria ter suportado o imposto sobre o ganho de capital apurado seriam as antigas empresas holdings localizadas no Brasil, e não a empresa estrangeira que ao final da série de alterações societárias constava como controlada direta da empresa alienada.
Ou seja, tentou a Fiscalização proceder com um “reenquadramento dos fatos” de forma a considerar como alienantes as antigas empresas holdings localizadas no Brasil e não a sociedade estrangeira. Entretanto, ao pleitear tal ”reenquadramento fático”, não procedeu a Fiscalização com qualquer acusação sobre “planejamento tributário abusivo, falta de propósito negocial ou substância econômica”, conforme bem destacado no voto proferido pela Conselheira-relatora.
Assim, verificou-se que a irresignação fiscal ocorreu tão-somente pela transferência do ativo, após uma série de operações societárias legítimas, a pessoa jurídica estrangeira o que, em tese, teria reduzido o ganho de capital passível de tributação ante a transferência da sujeição passiva para empresa domiciliada no exterior.
Em primeira instância administrativa, tendo sido constatada a ausência de quaisquer vícios nos negócios jurídicos questionados, restou afirmado que “o Fisco deveria respeitar as formas e os institutos de Direito Privado adotados pelo Contribuinte”, razão pela qual a impugnação pelo cancelamento foi acatada de forma integral para determinar o cancelamento da autuação.
Em sede de recurso de ofício, por sua vez, o colegiado da Primeira Seção do CARF, de forma unânime, tratou de manter o cancelamento da autuação, restando consignado no voto da relatora a proteção do princípio à liberdade de gestão, na medida o “sistema jurídico brasileiro resguarda a liberdade empresarial para organização dos negócios que possibilitem a economia lícita de tributos”. Assim, restou afirmado que são válidas determinadas ações de contribuintes, pois mesmo naquelas situações em que o negócio jurídico enseja uma redução da carga tributária, mas se “apoie em razões de ordem empresarial” há de se prestigiar o direito do contribuinte de se auto-organizar da maneira que entenda mais adequada para condução de seus negócios, observados os limites da legalidade.
Assim, não obstante a complexidade das operações societárias levadas a efeito antes da alienação societária, mas sim considerando a legalidade de todas as operações e motivo legítimo apresentado pelo Contribuinte a fazê-las (concentração do pagamento em uma única pessoa jurídica estabelecida no exterior), restou afirmada no voto da relatório lição um tanto básica, mas um tanto esquecida pela Fiscalização e com a qual encerramos o comentário de hoje:
“os cidadãos e empresas são, perante a lei, contribuintes e não devotos do Estado, a ponto de pagarem mais impostos quando existe opção menos onerosa”. (Acórdão nº 1401-002.650)
Fonte: Jota.info