31 de janeiro de 2019

“DEVE HAVER UMA AÇÃO TRABALHISTA QUE ANALISE O PAPEL DA DIRETORIA DA VALE”

Segundo Vinicius Pinheiro, representante especial da OIT, legislação brasileira prevê prisão para responsáveis em casos como o de Brumadinho, que pode ser o maior acidente trabalhista – além do dano ambiental e humano – do país

O rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Vale, em Brumadinho, está prestes a se tornar o maior acidente de trabalho do país. Até o momento, são 65 mortos e 288 pessoas desaparecidas, muitas das quais trabalhavam quando a tragédia aconteceu. De acordo com Vinicius Pinheiro, representante especial da Organização Internacional do Trabalho (OIT), junto as Nações Unidas, acontecem no mundo pelo menos 600 milhões de acidentes de trabalho por ano, com 2,3 milhões de pessoas mortas e um prejuízo de 2,8 trilhões de dólares. Para mudar esse quadro, o especialista diz ser preciso construir uma cultura da prevenção. “A melhor política para acidentes de trabalho é aquela que não deixa o acidente de trabalho acontecer. E prevenção requer investimento em educação, em tecnologia, em força de trabalho e em instituições fortes que possam fazer a fiscalização”, afirmou a ÉPOCA.

Do ponto de vista trabalhista, de que forma o senhor avalia a tragédia de Brumadinho?
Essa foi uma tragédia ambiental, humana e também uma tragédia laboral, porque grande parte das vítimas são funcionários da empresa e grande parte delas estava em seu ambiente de trabalho. É importante fazer investigações tanto do ponto de vista laboral perante a legislação que regula acidentes de trabalho quanto do ponto de vista penal e ambiental.

O senhor acredita que a diretoria da Vale deva ser afastada?
Não tenho como avaliar que medida deva ser feita em relação à diretoria da Vale neste momento. Claro que deve haver uma ação trabalhista que analise os aspectos tantos laborais quanto penais sobre a diretoria.

Levando em conta a dimensão do acidente, quais devem ser as punições impostas à Vale e aos responsáveis?
A legislação brasileira, que mudou recentemente neste caso, prevê tempo de prisão. É pelo menos um ano de prisão. Agora os agravantes precisam ser avaliados, dada a dimensão da tragédia.

Por ano, o Brasil registra 700 mil acidentes de trabalho. Por que esse número é tão elevado?
As estatísticas de acidente de trabalho são realmente preocupantes. No mundo inteiro, 2,3 milhões de pessoas morrem por causa de acidentes de trabalho. E o número de acidentes de trabalho reportados giram em 600 milhões. Isso gera um custo humano, ambiental no caso de Brumadinho, mas também econômico de cerca de 2,8 trilhões de dólares no mundo inteiro. Isso é equivalente ao PIB mundial. Esse custo se refere a horas não trabalhadas, aos custos de indenização, despesas com saúde. Para essa enorme incidência de acidentes de trabalho, é fundamental a prevenção. No caso de Brumadinho, a prevenção passava por verificar as condições da barragem, ver se existem planos de contingência, ver como poderia afetar os trabalhadores. Poderia haver mecanismos de sinalização. Os responsáveis podem responder criminalmente, mas claro que agora é muito cedo para tirar conclusões, porque as investigações ainda estão sendo realizadas.

O senhor acredita que a extinção do Ministério do Trabalho pode fazer o número de acidentes aumentar?
É difícil dizer neste momento, porque isso depende de como a fiscalização do trabalho, que vai ser direcionada a outro órgão, irá atuar. A princípio não há motivos para achar que haverá menos fiscalização do trabalho só porque ela foi transferida de um órgão para o outro. Essas observações têm de ser feitas e acompanhadas nos próximos meses.

Como a fiscalização do ambiente de trabalho pode ser aprimorada, evitando eventuais acidentes? A fiscalização pode ser aprimorada principalmente na parte educativa. A questão de se gerar uma cultura contra o acidente de trabalho é algo que perpassa não só os funcionários das empresas, mas também os patrões, consumidores e os cidadãos em geral. Então é fundamental que as pessoas tenham em mente que, em uma obra, os trabalhadores devem estar protegidos com capacetes, luvas e protetores auditivos. Outra forma também é o uso de tecnologia. Com os avanços tecnológicos, como o uso de drones e a utilização da internet das coisas, é possível monitorar o ambiente de trabalho de uma forma mais efetiva e evitar que acidentes como esses aconteçam.

De acordo com o jornal O Globo, há um rompimento de barragem a cada dois anos no Brasil. Falta fiscalização?
Certamente. Isso tem a ver com fiscalização, que são políticas preventivas para evitar que um acidente ocorra.

 

Fonte: Época.Globo