24 de maio de 2019

Financiamento Imobiliário: Armadura contra perda de imóvel

Uma decisão que preocupa credores e traz alívio para quem está em dificuldades para pagar parcelas de um financiamento imobiliário. 

Recentemente a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicou a teoria do adimplemento substancial, que goza de grande prestígio doutrinário e jurisprudencial no Direito Contratual Brasileiro, impedindo uma construtora de reaver imóvel parcialmente quitado.

Na prática, esse conceito jurídico protege contratos que tenham pagamentos significativos de seu valor total, em conjunto aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e boa fé contratual. A jurisprudência vem predominantemente engajada em preservar a continuidade da avença em detrimento de sua resolução.

O adimplemento substancial é estritamente vinculado à parte derradeira da obrigação, ou seja, nos casos em que o contrato estiver em boa parte cumprido, sendo a mora insignificante, não caberá sua extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, como a cobrança ou o pleito de indenização por perdas e danos.

Sob tal enfoque, restaria afastado o direito de resolução, autorizando, contudo, que o credor promovesse o adimplemento, evitando-se, no caso em comento, a retomada do bem imóvel e realização de constrições judiciais.

Apenas a título de exemplo, imaginemos um contrato da compra de um apartamento no valor de R$ 500 mil, sendo que R$ 300 mil tenham sido financiados diretamente com a construtora do edifício em um contrato de 50 meses… Ao quitar significativa parte do valor do contrato, será impossível à Construtora reaver o bem, a despeito do que ocorria anteriormente ao forte precedente da 22ª Câmara.

Um dos desafios centrais está na questão de fixar parâmetros que permitam ao Poder Judiciário dizer, em cada caso, se o adimplemento afigura-se ou não significativo, substancial. À falta de suporte teórico, as cortes brasileiras têm invocado o adimplemento substancial apenas em abordagem quantitativa, estabelecendo porcentagens ou parcelas remanescentes para caracterização do fenômeno.

E é exatamente essa a problemática!

A possibilidade da aplicação da teoria do adimplemento substancial passa pela avaliação da postura do Comprador. Certamente o mau pagador não será beneficiado. Contudo, não perderá o imóvel aquele que vem pagando em dia as parcelas ao longo do contrato, mas perde o emprego perto da quitação e para de pagar as parcelas finais.

A propósito, como têm pontuado doutrina e jurisprudência italianas, a análise do adimplemento substancial passa por dois filtros. O primeiro deles é objetivo, a partir da medida econômica do descumprimento, dentro da relação jurídica existente entre os envolvidos. O segundo é subjetivo, sob o foco dos comportamentos das partes no processo contratual.

E, justamente em razão de decisões desarrazoadas, em matéria de Direito Imobiliário, proferidas pelas cortes nacionais, o mercado batalhou por uma alteração legislativa, capaz de readequar a jurisprudência brasileira.

No fim de 2018, foi promulgada a Lei nº 13.786/2018 (Lei dos Distratos) que possui a finalidade de acabar com a insegurança jurídica do setor imobiliário. Como escopo, a Lei nos traz definições quanto aos valores que devem ser descontados dos adquirentes de imóveis na planta, em caso de Distrato ou Resolução por Inadimplemento Absoluto (Art. 67-A).

No caso dos Distratos (encerramento do contrato mediante consentimento entre as partes), a citada Lei parametriza os valores sem discussões paralelas. O comprador será restituído das quantias pagas com desconto penal convencional(multa) que poderá chegar a 50% dos pagamentos, 0,5% sobre o valor atualizado do contrato pela utilização do imóvel, despesas de corretagem, impostos incidentes sobre o imóvel e condomínio em atraso.

Agora, no que tange a Resolução por Inadimplemento Absoluto Parcial, a Teoria do Adimplemento Substancial inverte a situação de devolução do imóvel com descontos contidos na Lei de Distratos, gerando apenas o direito de cobrança forçada dos débitos via Poder Judiciário, conforme já destacado no início, ou seja, é preservada a continuidade do negócio em detrimento de seu desfazimento com a aplicação dos descontos já apontados.

A iniciativa da Lei de Distratos esbarra na flexibilidade trazida pela aplicação da teoria tratada, vez que tem como principal objetivo reafirmar que, os contratos imobiliários devem ser cumpridos e o seu descumprimento gerará consequências pesadas.

Estamos ávidos aguardando os próximos capítulos, que tendem a uniformizar o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre os temas aqui ventilados e esperançosos para que a lei recém promulgada traga segurança jurídica para o mercado imobiliário.

*Paulo Luciano de Andrade Minto é Sócio e Diretor do contencioso de alta complexidade da Andrade Minto Advogados e pós-graduado em Processo Civil

 

Fonte: Jornal Contábil